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SILIKON

SILIKON foi uma colaboração transdisciplinar entre os artistas Andressa Cantergiani e Alan Egedy. A performance Corpo Estranho ‘Nonbody’ aborda os processos de fragmentação do corpo pós-humano e explora como, nesse cenário, as relações socioafetivas e espaço-temporais são afetadas e transformadas, assim como a subjetividade e o desejo.

O vórtice ficcional de Corpo Estranho reside na jornada de dois personagens transhumanistas chamados Oni & Ini, que vivem em um planeta distópico em uma tentativa errante e fracassada de se comunicar um com o outro. Como comentou N.J Stallhard em seu artigo "I Want to See you not Through the Machine" (2018), usando como exemplo a ficção científica The Machine Stops (1909), de E. M. Forster, toda distopia carrega uma utopia por trás. Oni & Ini nunca se encontram, mas a tentativa e o desejo do encontro permanecem eternos. Há uma melancolia por trás dessas criaturas solitárias, cujos DNAs meio-máquina e meio-humanos os colocaram em um caminho sem saída de incomunicabilidade.

A comunicação é a porta para uma ampla discussão dialética sobre o real x virtual, máquina x humano, e natureza x cultura.

Oni & Ini são Ciborgues, como diz Donna J. Haraway (1991) em “Manifesto Ciborgue”: um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura da realidade social assim como da ficção. Para Haraway, a ficção científica contemporânea está "repleta de ciborgues — criaturas simultaneamente animais e máquinas". Oni & Ini, radicalmente nascidos como ciborgues, têm sua subjetividade fragmentada e estilhaçada, e nos conduzem a questionar o que é e qual é a função da subjetividade — foco dos estudos filosóficos pós-estruturalistas, como por exemplo em Lyotard, Deleuze e Guattari.

Tomaz Tadeu, em seu texto "Nós, ciborgues – O corpo elétrico e a dissolução do humano", diz que: "Ironicamente, são os processos que transformam radicalmente o corpo humano que nos forçam a repensar a 'alma' humana. Quando aquilo que supostamente é animado se vê profundamente e radicalmente afetado, é hora de perguntar: qual é realmente a natureza daquilo que anima o que é animado?" É no confronto com clones, ciborgues e outros híbridos tecno-naturais que a "humanidade" da nossa subjetividade é colocada em questão. E ainda pergunta: onde começa a máquina e termina o humano, ou vice-versa? Ou, ainda, dada a promiscuidade geral entre humano e máquina, não seria o caso de considerar essas perguntas simplesmente sem sentido? Mais do que a metáfora, é a realidade do ciborgue, sua presença inegável em nosso ambiente (“nosso”?) que coloca a ontologia do humano em xeque. Ironicamente, a existência do ciborgue não nos intimida a perguntar sobre a natureza das máquinas, mas, de forma mais perigosa, sobre a natureza do humano: quem somos? (TADEU, 2000)

É dessa ambiguidade — de humanizar a máquina e de maquinizar o humano — que nascem Oni & Ini, e sua angústia da incomunicabilidade nos traz a ideia de que nada mais é puro. Estamos na era pós-antropoceno e os seres híbridos são os seres desta era de Humanos, Não-Humanos e Transhumanos. Assim, questionar sua genealogia é simplesmente inútil — mas isso não nos absolve da responsabilidade de quem somos e do que estamos fazendo com o nosso entorno.

Corpo Estranho é uma discussão sobre como nos tornamos estranhos a nós mesmos, a ponto de perdermos completamente nossa identidade-eu-subjetividade (aliás, para que serve isso?). Mas, para além de um olhar para nós mesmos, Corpo Estranho quer investigar como os ciborgues habitam o planeta e qual é sua contribuição evolutiva — sem julgar a subjetividade —, já que ela se catapulta à desmaterialização para emergir como um coletivo de seres conscientemente híbridos e, talvez, tão solitários. Talvez apenas a solidão possa fazer um ciborgue lembrar que ele também ainda é um pouco humano e, ali, a subjetividade morta volta à existência.

É também sobre esse paradigma da subjetividade que Corpo Estranho paira.



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